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MONTEBUZACO

O MITO DA PROCURA DE DEUSES E DEMÓNIOS

MONTEBUZACO

O MITO DA PROCURA DE DEUSES E DEMÓNIOS

29
Abr07

AMURA

Peter

.

  ____AMURA______

--------------------------------------

.

Quem a viu,como eu,na margem leve,

Desse Geba postada sentinela

E sob ogiva,arcada,entrou por ela,

Não a esquece por gosto,nem por estima,

Pois há-de imaginar,corrente acima,

Puxada por motor,como carraça,

Quase que o só porão duma barcaça

Subindo o rio,largo e amarelo

Que mesmo ao centro tem,bem pequenina

Ilha plantada com face de menina

Preta de cor,cabelo seco e belo.

                     +++++++

Observando o Geba, a temperatura,

A lama da vazante,o navegar

Pelas pernas no mar de caranguejos

De carcaças ao sol,por apanhar,

Sobre peças de bronze e de Junot,

Acima das portadas inglesas

Que a guarnição antiga arrecadou,

É ler livros de cercos e ataques

Por tribos mais ou menos de mandingas

Que lutavam com setas e basbaques

Dos quais nasceu mais tarde,esta Domingas

                     +++++++                 

Por aqui me tive e por satisfação,

Na velha fortaleza me hospedei,

Nos muros nus e grossos lamentei

Os receios e as contradições

De ter por pátria e mãe aflições,

De fugir pelos últimos minutos

Da poeira da estrada e das bolanhas,

Escondendo as misérias das entranhas

No conforto dum banco de café

Onde o fumo que sobe,sobe em pé

E ancorado no largo,Geba enxuto,

Além Piriquiti,já não disfruto

Senão de mar e mar,senão maré.

.

.

DANCING

 

E m Bissau,à saída da cidade

Na estrada que leva a Bissalanca,

Existia à direita uma tabanca

Que tinha um bar de pouca qualidade.

                     ++++

Debaixo das mangueiras era o cujo,

Fugindo então à grande densidade,

Dele fazendo parte,em igualdade,

Sócias de cor,amantes de marujo.

                   ++++

De Cabo Verde,Inês, uma das quotas,

Quase nua a dançar tardes inteiras,

Intervalava mornas,coladeiras,

Com fregueses,cervejas e com notas.

                  ++++

Outra,negra,balanta,de Mansoa,

Da moda havia nome,Mariquinha,

Nome por que se dava e o qual tinha

Por crisma importado de Lisboa.

                 ++++

Abonando a verdade,é bom dizer,

Dancing assim,só p’ra beber cerveja,

Seja qual for o prisma que se veja

Outra coisa não se ia ali fazer.

.

  :::::::DOMINGAS:::::

Domingas era filha de manjaco

E tinha parentela de mandinga,

A casa onde habitava,era um buraco

Onde todos gostavam duma pinga.

                         ++++

O pai,era mílícia,era tenente,

Tinha sete mulheres,duas com truques

De preparar os potes de aguardente

Que bebiam em toques e batuques.

                         ++++

Convidado de sempre,o muçulmano,

De túnica tão branca como linho,

Chamava-se Djaló e soberano,

Amava tanto Meca como vinho.

                        ++++

Só Domingas vivia como branca

Tentando preservar sua virtude

De quantos procuravam,na tabanca,

Os fortuitos prazeres da juventude.

                       ++++

Alça delgada ao ombro,sobre o braço,

Peito seguro,rijo e todo nú,

Amparava este mundo no regaço

Imaginando o noivo,Mamadú.

 

.

 __REINO ANTULA____

_________________________

.

No reino Antula o chão é quase lama,

O rio,quando sobe,é nos mangais

Que exprime o mar,assoreando o drama

Da gente que vive entre canais.

                     ++++

Tem embondeiro amigo,bem postado

Na beira do caminho poeirento

Onde sulcos abertos de encarnado

Cheiram a chuva no sabor do vento.

                     ++++

O castro vive à sombra da espessura,

Os tugúrios,de terra,circulares,

Tem sempre a porta aberta à chave dura

De acções heróicas,espectaculares.

                     ++++

São pés gretados,são mamas caídas,

São crianças doentes,são contágios,

De sílabas de histórias transmitidas

De escravos,viagens e naufrágios.

                    ++++

O rei que manda aqui,manda calado,

Não tem autoridade,nem canhão,

Se passa um jeep,foge ignorado

E esconde sua coroa no colchão.

.

.

   ____AMISSÃO________

           _____________________

.

Amissão Bico.Sete anos.

Sem escola.Gosta do mato,

Gosta de bichos,do trato

Do seu herói da tabanca.

Lá dentro,seu coração

É mais ou menos igual

Àquele que em Portugal

È filho do meu irmão,

Com uma só diferença,

Ser preto,visto por fora,

Ser preto desde a nascença.

Por isso,às duas da tarde,

Quando o refeitório fecha,

Vem Amissões de lata e balde

Meter as mãos no bidon de gasolina

Acabado de encher com restos,

Pelo fachina.

Levam para comer o pai, a mãe

E os familiares que por lá têm.

À tardinha, as irmãs,

Crianças cujos colos

Não estão ainda formados,

Por vinte e cinco tostões

Despem as tranças

E fazem nhacnhac com soldados.

.

       ____ULA_________

          _________________

 .

Ula foi um amigo que tive,

Um amigo sem história,

Não sei se ainda vive,

Se é apenas memória,

Mas de certeza em Bula o conheci

E em Bula ficou,quando parti.

                 +++

Era alto,era preto,da Guiné,

Amigo de caju,

Ula,não sei o quê.

De calção,tronco nu,

Sobrenome não deu,

Era luxo demais,só d’europeu

Ter outro nome além do próprio,seu.

                 +++

Um dia, quando fora do farpado,

O encontrei pensando,

Sentei-me do seu lado

Constatando

Nosso comum castigo

De estar ali em paz,estando em perigo,

Mas quando lhe ofereci uns calções velhos,rotos,

Abriu-me olhos leais, como os garotos

E fez de mim o seu melhor amigo.

.

 

 

_______________BAR__________

__________________________

.

Velho bar de genuflexões

E de telhados de colmo,

Velho bar,meu imbondeiro

De penumbras,sombras,noites,

Bar das insinuações,

Dos sonhos,superstições,

Bar do corpo,copo inteiro,

Do sedento pernoitar,

Bar de manhã,nevoeiro,

E do lento navegar,

Bar de toda a rosa negra

Onde o unimog pardo

Geme seios de luar,

Bar de colcha,numa cama,

De mornas e de mimar,

Em ti recorda quem ama

Que existe um outro remar.

 

 

 

_______MARINHEIRO___

~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~

 

É com olhos de mundo que vislumbras,

Do alto do castelo,entre vilões,

A carta,na cegueira desse espelho,

Rumo entre sol,azul,verde,vermelho,

Cordas,ormuzes,nortes e ceilões.

                ++++

Das madrugadas frias,há penumbras

Perdidas nos lenhos da juventude,

Embarcadas nos vícios e pecados

Almas de medo,heróis potenciados,

Prisioneiros do rei e da virtude.

                ++++

Abarcas hoje,como nunca,adeus...

Adeus Tejo,do alto das vigias,

Um monóculo em mão e não galés,

Se bem que te mudasses,’inda és

A reduzida corte que não querias.

               ++++

Abarcas esse sonho e dizes,meus...

Teus são esses caminhos,e os nossos...?

Nunca chegaste a dar o sugerido,

Dos teus naufrágios,muito foi perdido

Tua loucura terminou em ossos.

             ++++

Olhas agora velho,como quando

O mar galgava ventos e padrões,

Heróico de lembranças sem futuro,

Deliras encontrar porto seguro

No ruir das ameias,dos canhões.

            ++++

Esse que foi teu mar,declinando,

Já não sobe ao convés do teu transporte,

Nem areia,nem pinho,nem perfeito...

Esse que foi teu mar,já não é estreito,

Nem dele és já senhor,nem dele és sorte.

.

.

______REGRESSO_______

~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~

.

Morreram os veleiros da Índia

E os marinheiros calçudos

De becos da Mouraria.

Os barcos de carvão

De canos cabeludos

Que se fizeram um dia

Ao alto mar da África

E escreveram páginas

Da guerra de catorze,

Afundaram-se no petróleo

Duns paquetes de luxo

Com duas chaminés

Em forma de cartucho.

Voltaram marujos a terra,

O vento dos veleiros

Às letras duma história

E pelas praias de Alvor,

De Bartolomeu Dias,

Só bom navegador.

As páginas estão velhas

Como as rochas de Sagres

Rendilhadas pela àgua delinquente.

Olhando o mar ignoto

De sobretudo roto,

O Infante procura a não semente,

Enrola na tempestade as ondas

E soprando nas velas o sabor da brisa

Vai descansar enfim

Na terra quente.

Pela catedral de Silves,

Pelo forte de Cacela,

Já não se ouve o murmúrio

Duma lenda de moura

Estranha e bela,

Nem gemidos do Santo

Trazidos de Marrocos pelo suão

E seu pranto.

As areias

Pelas prais de Tabira,

Escaldam sob os pés

Na babugem do mar

E as casas,na bonança,

São caravelas

No cabo da Boa Esperança.

A Alcobaça regressa o almocreve

De saco rôto e vazio.

Honrado e desonrado,

Traidor,cobarde,herói,

Ardente,corajoso,

Mártir,ladrão,

Não trás despojos.

Conserva o ar pateta

De camponês dos montes,

Curioso pescador,

Temente a Pedro,Inêz,

E incha como rã...

Assim,é que dobrou o Cabo Bojador...

Foi-se a fortuna,a sorte,

O ouro do Brasil,

A canela,a pimenta,

A cana, o algodão,

O grude e o café.

Como norte,

Um astrolábio antigo,ferrugento,

Trazido da Irlanda,por favor,

Umas pedras antigas,monumento,

E as noites quentes de Alvor.

O mais,foi digerido

Pela classe essencial,

Que o povo,diferido,

Mantem-nos Portugal.

.

 

 

   __ORMUZ____________

               ___________________________

.

Nas praças da cidade

Oscilam as palmeiras,

Ultrapassam muralhas,

Esquinas,sobre o mar

Branco do seu lençol

De casas destelhadas,

Rasgadas pelo sol.

A ilha, guarda o deserto

Da nau que guarda a ilha

E do trilho do norte

A Pérsia,é caso misterioso,

Areia,pó e sorte

Num sopro de armadilha.

Em cada arcada,cada abrigo

Tem cor de sangue

Nas adagas caladas

Pelos canhões do forte.

A brisa não sopra

Na armada sonolenta,

Sentinela fundeada

Entre ruas do estreito

Onde o calor sufoca a garganta

E Ormuz sufoca o marinheiro.

.

 .

  _____ LUSITANIA___________

 .~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~

A Lusitânia está parada,aguarda

Que parindo a Europa um filho novo,

Lhe dê por sorte a sorte que lhe tarda

E gere nesta gente um outro povo.

                          +++

Poeta,sonhador e marinheiro,

Sem rumo,sem piratas, leme e vela,

Sem cabos,sem calcário,sem canteiro,

Sem Goa,sem Damão e sem canela.

                         +++

O velame apodrece na amurada,

O pó vai dissolvendo sobre a espuma

A pólvora,ferrugem duma espada

Enterrada no sal do além bruma.

                        +++

A ocidente o mar,frio,sombrio,

Ruge como este sonho que agiganta

O hesitante passo no vazio

Da incógnita maré que se levanta.

                       +++

A Lusitânia aguarda identidade,

Estar e não estar,ser ou não ser alguém,

Atávica memória sem idade

De no mundo ser todos e ninguém.

.

 

_______SAUDADE________

~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~

.

Já não voltarei a Abrantes

Que fica lá no sertão,

Nem à boca do Quanza

Que não sei se fica ou não,

Ou à voz de minha mãe

Que escuto pelos botões,

Não voltarei,nem ao Geba

Rasgado por batelões,

Nem ao comboio das cinco

Na linha que o rio tem,

Sobe quando os outros descem

Desce quando os outros vêm,

Nas àguas do vale abrindo,

Um leque a favor do mar,

Os meus olhos vão subindo

Minhas mãos vão a largar.

Já não voltarei a Abrantes,

Não voltarei,isso não,

Ao fundo lhe corre o Tejo

Ao centro o meu coração.

 

 

.

  ____RECTÂNGULO____

________________________

.

A oeste o tempo e povo urge

Desta total encenação,

O comboio que surge

É nova condição.

O mar está parado,

As palavras escritas

Não tem significado,

De tão ditas,

E o silêncio persiste

Na gente que não anda,

Que pensa e que existe

Num solo que não manda.

Rectângulo de emendas,

De rasuras,de gritos,

De misérias e prendas,

De abafados conflitos,

Para lá da beira do mar,

As costas de Ceilão

Os reinos do Malabar

Que já não são.

O horizonte absoluto

Das portas de Zamora

Após o mar enxuto,

Não demora.

.

 

 

    _____TROVAS__________

          _______________________

Pela Torre de Belém

Andam cantando trovas

Navegadores idososas

De barbas brancas

Com quatrocentos anos.

Discutem o preço da canela

O ouro do Brasil

Os diamantes,

E gostam de jogar damas

Nas costas dum marinheiro aleijado

Que deixou o mar há dias,

Na semana passada...

Gente que dirige séculos

E nunca morre.

Dormem á segunda feira,

Espreitam as pernas das varinas

Pelo berloque da saia,

Às terças,na Ribeira,

Consomem restaurantes,

Rabanetes folclóricos

E até mulheres de escaparate

Nos troncos obtusos.

São trovadores da sorte,

Milagreiros sem norte,

Que o povo aplaude

E a Senhora adora.

.

 

 

___A FERNANDO PESSOA____

 

Em cada dia que passa

A fuga é mais tormentosa...

Ó grande,ó gigantesco Adamastor !

Quem crê em ti

Absorve a dor...

No cérebro do leme,a trama escura

Separa a alma e deixa o corpo ao vento,

A tempestada abana e chicoteia

Tudo o que seja lixo ou veia

E da matéria varre o excremento.

Ò grande mar,libertador de peixes...

Tinha ilusões de chegar a Calicut ou mais além,

Mas faltam-nos nas àguas os gigantes

Que alimentando o medo

Nas ondas nos mantém.

.

 

          

____EXPÔ______________

_______________________

. 

Mais tejo há a oriente

e o sol a bater com fúria

na grande placa nua norte sul

são três palmeiras

secas hirtas

que se apontam ao rio

ao sabor da corrente

contra uma grua revirada

na estrada e no ceu

posa uma noiva escura

com o polegar na boca

da sua fotografia

A brisa sobe incógnita

e nem um batelão ausente

chapa as águas nas casas

pintadas de amarelo

no estendal das margens

o interior de fora aquece

nas janelas fechadas

o ar mal se respira no outeiro

onde se sentam pedras

alinhadas num banco de aço

cromado de chinês

Não há timoneiros ofegantes

nas velas que não passam

nem guitarras nem viúvas

nos barris dos porões

chora-se o fado do tempo

no calor sufocante

das ruas que se encontram no tejo

que terminam no tejo

nos detritos do tejo

nos últimos ossários

dos nossos navegadores.

 

 

 

 

 

 

.

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