AMURA
____AMURA______
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Quem a viu,como eu,na margem leve,
Desse Geba postada sentinela
E sob ogiva,arcada,entrou por ela,
Não a esquece por gosto,nem por estima,
Pois há-de imaginar,corrente acima,
Puxada por motor,como carraça,
Quase que o só porão duma barcaça
Subindo o rio,largo e amarelo
Que mesmo ao centro tem,bem pequenina
Ilha plantada com face de menina
Preta de cor,cabelo seco e belo.
+++++++
Observando o Geba, a temperatura,
A lama da vazante,o navegar
Pelas pernas no mar de caranguejos
De carcaças ao sol,por apanhar,
Sobre peças de bronze e de Junot,
Acima das portadas inglesas
Que a guarnição antiga arrecadou,
É ler livros de cercos e ataques
Por tribos mais ou menos de mandingas
Que lutavam com setas e basbaques
Dos quais nasceu mais tarde,esta Domingas
+++++++
Por aqui me tive e por satisfação,
Na velha fortaleza me hospedei,
Nos muros nus e grossos lamentei
Os receios e as contradições
De ter por pátria e mãe aflições,
De fugir pelos últimos minutos
Da poeira da estrada e das bolanhas,
Escondendo as misérias das entranhas
No conforto dum banco de café
Onde o fumo que sobe,sobe em pé
E ancorado no largo,Geba enxuto,
Além Piriquiti,já não disfruto
Senão de mar e mar,senão maré.
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DANCING
E m Bissau,à saída da cidade
Na estrada que leva a Bissalanca,
Existia à direita uma tabanca
Que tinha um bar de pouca qualidade.
++++
Debaixo das mangueiras era o cujo,
Fugindo então à grande densidade,
Dele fazendo parte,em igualdade,
Sócias de cor,amantes de marujo.
++++
De Cabo Verde,Inês, uma das quotas,
Quase nua a dançar tardes inteiras,
Intervalava mornas,coladeiras,
Com fregueses,cervejas e com notas.
++++
Outra,negra,balanta,de Mansoa,
Da moda havia nome,Mariquinha,
Nome por que se dava e o qual tinha
Por crisma importado de Lisboa.
++++
Abonando a verdade,é bom dizer,
Dancing assim,só p’ra beber cerveja,
Seja qual for o prisma que se veja
Outra coisa não se ia ali fazer.
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:::::::DOMINGAS:::::
Domingas era filha de manjaco
E tinha parentela de mandinga,
A casa onde habitava,era um buraco
Onde todos gostavam duma pinga.
++++
O pai,era mílícia,era tenente,
Tinha sete mulheres,duas com truques
De preparar os potes de aguardente
Que bebiam em toques e batuques.
++++
Convidado de sempre,o muçulmano,
De túnica tão branca como linho,
Chamava-se Djaló e soberano,
Amava tanto Meca como vinho.
++++
Só Domingas vivia como branca
Tentando preservar sua virtude
De quantos procuravam,na tabanca,
Os fortuitos prazeres da juventude.
++++
Alça delgada ao ombro,sobre o braço,
Peito seguro,rijo e todo nú,
Amparava este mundo no regaço
Imaginando o noivo,Mamadú.
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__REINO ANTULA____
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No reino Antula o chão é quase lama,
O rio,quando sobe,é nos mangais
Que exprime o mar,assoreando o drama
Da gente que vive entre canais.
++++
Tem embondeiro amigo,bem postado
Na beira do caminho poeirento
Onde sulcos abertos de encarnado
Cheiram a chuva no sabor do vento.
++++
O castro vive à sombra da espessura,
Os tugúrios,de terra,circulares,
Tem sempre a porta aberta à chave dura
De acções heróicas,espectaculares.
++++
São pés gretados,são mamas caídas,
São crianças doentes,são contágios,
De sílabas de histórias transmitidas
De escravos,viagens e naufrágios.
++++
O rei que manda aqui,manda calado,
Não tem autoridade,nem canhão,
Se passa um jeep,foge ignorado
E esconde sua coroa no colchão.
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____AMISSÃO________
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Amissão Bico.Sete anos.
Sem escola.Gosta do mato,
Gosta de bichos,do trato
Do seu herói da tabanca.
Lá dentro,seu coração
É mais ou menos igual
Àquele que em Portugal
È filho do meu irmão,
Com uma só diferença,
Ser preto,visto por fora,
Ser preto desde a nascença.
Por isso,às duas da tarde,
Quando o refeitório fecha,
Vem Amissões de lata e balde
Meter as mãos no bidon de gasolina
Acabado de encher com restos,
Pelo fachina.
Levam para comer o pai, a mãe
E os familiares que por lá têm.
À tardinha, as irmãs,
Crianças cujos colos
Não estão ainda formados,
Por vinte e cinco tostões
Despem as tranças
E fazem nhacnhac com soldados.
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____ULA_________
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Ula foi um amigo que tive,
Um amigo sem história,
Não sei se ainda vive,
Se é apenas memória,
Mas de certeza em Bula o conheci
E em Bula ficou,quando parti.
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Era alto,era preto,da Guiné,
Amigo de caju,
Ula,não sei o quê.
De calção,tronco nu,
Sobrenome não deu,
Era luxo demais,só d’europeu
Ter outro nome além do próprio,seu.
+++
Um dia, quando fora do farpado,
O encontrei pensando,
Sentei-me do seu lado
Constatando
Nosso comum castigo
De estar ali em paz,estando em perigo,
Mas quando lhe ofereci uns calções velhos,rotos,
Abriu-me olhos leais, como os garotos
E fez de mim o seu melhor amigo.
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_______________BAR__________
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E de telhados de colmo,
Velho bar,meu imbondeiro
De penumbras,sombras,noites,
Bar das insinuações,
Dos sonhos,superstições,
Bar do corpo,copo inteiro,
Do sedento pernoitar,
Bar de manhã,nevoeiro,
E do lento navegar,
Bar de toda a rosa negra
Onde o unimog pardo
Geme seios de luar,
Bar de colcha,numa cama,
De mornas e de mimar,
Em ti recorda quem ama
Que existe um outro remar.
_______MARINHEIRO___
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É com olhos de mundo que vislumbras,
Do alto do castelo,entre vilões,
A carta,na cegueira desse espelho,
Rumo entre sol,azul,verde,vermelho,
Cordas,ormuzes,nortes e ceilões.
++++
Das madrugadas frias,há penumbras
Perdidas nos lenhos da juventude,
Embarcadas nos vícios e pecados
Almas de medo,heróis potenciados,
Prisioneiros do rei e da virtude.
++++
Abarcas hoje,como nunca,adeus...
Adeus Tejo,do alto das vigias,
Um monóculo em mão e não galés,
Se bem que te mudasses,’inda és
A reduzida corte que não querias.
++++
Abarcas esse sonho e dizes,meus...
Teus são esses caminhos,e os nossos...?
Nunca chegaste a dar o sugerido,
Dos teus naufrágios,muito foi perdido
Tua loucura terminou em ossos.
++++
Olhas agora velho,como quando
O mar galgava ventos e padrões,
Heróico de lembranças sem futuro,
Deliras encontrar porto seguro
No ruir das ameias,dos canhões.
++++
Esse que foi teu mar,declinando,
Já não sobe ao convés do teu transporte,
Nem areia,nem pinho,nem perfeito...
Esse que foi teu mar,já não é estreito,
Nem dele és já senhor,nem dele és sorte.
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______REGRESSO_______
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Morreram os veleiros da Índia
E os marinheiros calçudos
De becos da Mouraria.
Os barcos de carvão
De canos cabeludos
Que se fizeram um dia
Ao alto mar da África
E escreveram páginas
Da guerra de catorze,
Afundaram-se no petróleo
Duns paquetes de luxo
Com duas chaminés
Em forma de cartucho.
Voltaram marujos a terra,
O vento dos veleiros
Às letras duma história
E pelas praias de Alvor,
De Bartolomeu Dias,
Só bom navegador.
As páginas estão velhas
Como as rochas de Sagres
Rendilhadas pela àgua delinquente.
Olhando o mar ignoto
De sobretudo roto,
O Infante procura a não semente,
Enrola na tempestade as ondas
E soprando nas velas o sabor da brisa
Vai descansar enfim
Na terra quente.
Pela catedral de Silves,
Pelo forte de Cacela,
Já não se ouve o murmúrio
Duma lenda de moura
Estranha e bela,
Nem gemidos do Santo
Trazidos de Marrocos pelo suão
E seu pranto.
As areias
Pelas prais de Tabira,
Escaldam sob os pés
Na babugem do mar
E as casas,na bonança,
São caravelas
No cabo da Boa Esperança.
A Alcobaça regressa o almocreve
De saco rôto e vazio.
Honrado e desonrado,
Traidor,cobarde,herói,
Ardente,corajoso,
Mártir,ladrão,
Não trás despojos.
Conserva o ar pateta
De camponês dos montes,
Curioso pescador,
Temente a Pedro,Inêz,
E incha como rã...
Assim,é que dobrou o Cabo Bojador...
Foi-se a fortuna,a sorte,
O ouro do Brasil,
A canela,a pimenta,
A cana, o algodão,
O grude e o café.
Como norte,
Um astrolábio antigo,ferrugento,
Trazido da Irlanda,por favor,
Umas pedras antigas,monumento,
E as noites quentes de Alvor.
O mais,foi digerido
Pela classe essencial,
Que o povo,diferido,
Mantem-nos Portugal.
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__ORMUZ____________
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Nas praças da cidade
Oscilam as palmeiras,
Ultrapassam muralhas,
Esquinas,sobre o mar
Branco do seu lençol
De casas destelhadas,
Rasgadas pelo sol.
A ilha, guarda o deserto
Da nau que guarda a ilha
E do trilho do norte
A Pérsia,é caso misterioso,
Areia,pó e sorte
Num sopro de armadilha.
Em cada arcada,cada abrigo
Tem cor de sangue
Nas adagas caladas
Pelos canhões do forte.
A brisa não sopra
Na armada sonolenta,
Sentinela fundeada
Entre ruas do estreito
Onde o calor sufoca a garganta
E Ormuz sufoca o marinheiro.
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_____ LUSITANIA___________
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A Lusitânia está parada,aguarda
Que parindo a Europa um filho novo,
Lhe dê por sorte a sorte que lhe tarda
E gere nesta gente um outro povo.
+++
Poeta,sonhador e marinheiro,
Sem rumo,sem piratas, leme e vela,
Sem cabos,sem calcário,sem canteiro,
Sem Goa,sem Damão e sem canela.
+++
O velame apodrece na amurada,
O pó vai dissolvendo sobre a espuma
A pólvora,ferrugem duma espada
Enterrada no sal do além bruma.
+++
A ocidente o mar,frio,sombrio,
Ruge como este sonho que agiganta
O hesitante passo no vazio
Da incógnita maré que se levanta.
+++
A Lusitânia aguarda identidade,
Estar e não estar,ser ou não ser alguém,
Atávica memória sem idade
De no mundo ser todos e ninguém.
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_______SAUDADE________
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Já não voltarei a Abrantes
Que fica lá no sertão,
Nem à boca do Quanza
Que não sei se fica ou não,
Ou à voz de minha mãe
Que escuto pelos botões,
Não voltarei,nem ao Geba
Rasgado por batelões,
Nem ao comboio das cinco
Na linha que o rio tem,
Sobe quando os outros descem
Desce quando os outros vêm,
Nas àguas do vale abrindo,
Um leque a favor do mar,
Os meus olhos vão subindo
Minhas mãos vão a largar.
Já não voltarei a Abrantes,
Não voltarei,isso não,
Ao fundo lhe corre o Tejo
Ao centro o meu coração.
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____RECTÂNGULO____
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A oeste o tempo e povo urge
Desta total encenação,
O comboio que surge
É nova condição.
O mar está parado,
As palavras escritas
Não tem significado,
De tão ditas,
E o silêncio persiste
Na gente que não anda,
Que pensa e que existe
Num solo que não manda.
Rectângulo de emendas,
De rasuras,de gritos,
De misérias e prendas,
De abafados conflitos,
Para lá da beira do mar,
As costas de Ceilão
Os reinos do Malabar
Que já não são.
O horizonte absoluto
Das portas de Zamora
Após o mar enxuto,
Não demora.
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_____TROVAS__________
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Pela Torre de Belém
Andam cantando trovas
Navegadores idososas
De barbas brancas
Com quatrocentos anos.
Discutem o preço da canela
O ouro do Brasil
Os diamantes,
E gostam de jogar damas
Nas costas dum marinheiro aleijado
Que deixou o mar há dias,
Na semana passada...
Gente que dirige séculos
E nunca morre.
Dormem á segunda feira,
Espreitam as pernas das varinas
Pelo berloque da saia,
Às terças,na Ribeira,
Consomem restaurantes,
Rabanetes folclóricos
E até mulheres de escaparate
Nos troncos obtusos.
São trovadores da sorte,
Milagreiros sem norte,
Que o povo aplaude
E a Senhora adora.
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___A FERNANDO PESSOA____
Em cada dia que passa
A fuga é mais tormentosa...
Ó grande,ó gigantesco Adamastor !
Quem crê em ti
Absorve a dor...
No cérebro do leme,a trama escura
Separa a alma e deixa o corpo ao vento,
A tempestada abana e chicoteia
Tudo o que seja lixo ou veia
E da matéria varre o excremento.
Ò grande mar,libertador de peixes...
Tinha ilusões de chegar a Calicut ou mais além,
Mas faltam-nos nas àguas os gigantes
Que alimentando o medo
Nas ondas nos mantém.
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____EXPÔ______________
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Mais tejo há a oriente
e o sol a bater com fúria
na grande placa nua norte sul
são três palmeiras
secas hirtas
que se apontam ao rio
ao sabor da corrente
contra uma grua revirada
na estrada e no ceu
posa uma noiva escura
com o polegar na boca
da sua fotografia
A brisa sobe incógnita
e nem um batelão ausente
chapa as águas nas casas
pintadas de amarelo
no estendal das margens
o interior de fora aquece
nas janelas fechadas
o ar mal se respira no outeiro
onde se sentam pedras
alinhadas num banco de aço
cromado de chinês
Não há timoneiros ofegantes
nas velas que não passam
nem guitarras nem viúvas
nos barris dos porões
chora-se o fado do tempo
no calor sufocante
das ruas que se encontram no tejo
que terminam no tejo
nos detritos do tejo
nos últimos ossários
dos nossos navegadores.
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