TERMINUS 2
_____ALVOR______________________
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Gaivotas do Alvor, quantas me trazem
o riso dos reus olhos o seio do teu rosto
as vibrações da noite nas areias
que a praia foi juntando
em todo o tempo !
x
Deste-me mãos , as tuas mãos pequenas
leves laranjas , luz do teu cabelo
a âncora do cais aguardando a maré
que nos detém no barco , no convés
ainda por partir...
x
aperto do teu corpo ,corpo a arder
no total abandono
voando pelos íntimos prazeres
do nosso esquecimento
bote de liberdade sem passado
num mar sereno de gaivotas feito.
,
ECO_________________________
.
Passas na rua
já não fica mais
que resto do perfume
dos teus olhos
Rita Antónia
no granito que soa
dos teus passos
a loucura morreu
o sonho
adormeceu
no relógio das horas
não há recuo
na rua dos compassos
os teus sapatos
são o comprimento
sem uma expectativa
de calçada
ou um momento
de esperar
por um cortejo
a rua é um cinzento
e complexo conjunto
de coisas desconexas
Rita Antónia
para além disso
não mais
que o charro
conquistado a martelo
sem te prostituires
é o que é...
.
_________SONHO_____________
.
B astava não ser nada e vir a ser de novo
alguma coisa mais que resto duma estrela
ou resto de cometa
e medir, verificar e ter conhecimento
do simples lugar onde os teus olhos rasam
a tua alma treme a poeira levanta
ou a razão se inunda de insatisfação
x
Bastava ver-te rir
rir e sorrir no sol pelas manhãs
e ter a teimosia de nunca me esquecer
do caudal que aumentou
e inundou a ponte que trazemos
ainda inacabada
x
Bastava juntar sal aos meus dias libertos
apanhar a neblina quando sobe do vale
que nos agarra o corpo
e me rebenta artérias
dilacera sentidos
me cega na loucura de não ser
identificação.
x
E voltar a ser nada com o olhar
sereno dos teus prados
sonhados na poesia da pintura
que afagas sobre a terra
voando leve como um asteróide
entre a luz que se esconde no crepúsculo
e a memória do espaço que ainda tens.
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. _____ BARCOS_____
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São sombras reflexos ou fantasmas
ou barcos só apenas barcos leves
ancorados na praia
costurados de cor
pintados de encarnado
de azul e de maria
e de ana e de flor
flor do mar
x
São os silêncios sons do fim da tarde
aurea de anoitecer
pedaços dum olhar
restos dum gesto
um simples apontar
a imensidão incógnita
de toda a hora
e de todos os nadas
x
Mastros pagãos tinta da mão
das almas e dos medos
dos monstros dos abismos
e dos filhos
no berço da sua mãe
um mar de prata e amor
um mar de espuma
em cada ida
quando o barco vem.
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____FOZ DO ARELHO_________
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Como gaivota que volteia ao sopro
na bruma da lagoa
abre-se á madrugada o trinco da janela
que dá para o mar
que na praia abalroa
x
a amena manhã semeia as ondas
que se matam na areia
correndo a apagar os mitos duma noite
bronzeada de essência
mas tudo não é mais do que um segundo
e tudo é aparência
x
pois já nasceu a prata da manhã
serena cópia dum pescador a rebocar o sol
brilhando algures
na superfície plana da maré
mas nós, cercados do azul profundo
duma janela aberta á maresia
libertamos as grades ao tomar
o calor matinal
na mesa do café.
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______CAMINHOS______________
Se houvesse outro caminho
para seguir viagem
outra ponte romana com destino
e tivesse a divina vantagem de saber
antes de acontecer
o que fazer
talvez voltasse a ser o que não fui
ou faria outra vez o que me exclui
do fatídico ponto de escolher
x
podia ser presságio nevoeiro
cerrado cego abrindo tarde ao sol
podia ser o que em lado nenhum
se encontra em nenhum lado
um fantasma ou um deus
um sonho inacabado
ou desperdício dos profundos ceus
x
mas tu serias sempre a mesma flor
selvagem nascediça erva dos montes
rude como o nascer de quantas fontes
rasgam á força entranhas maternais
sempre prelúdio embalador de peça
que nunca mais começa
e não acaba mais.
.
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______MHILLA___________
.
É na diferença entre nós que te observo
na tua meia idade enobrecida
pela face corada e por reservas
que me parecem mais de juventude
que outra coisa qualquer
x
apenas construindo conseguimos viver
entre tantos papeis
são todos brancos e ontem poderia
servir-te muito como serves leve
tanta palavra vã
ou poderia amar vinte anos depois
depois do antes ter acontecido
pelos barrancos onde passa o caminho
que regulou o tempo dum teu olhar feliz
no aroma nas flores duma viagem
que nunca se repete
x
era aí que haveria o primeiro dos beijos
o primeiro que o sol beija nos olhos
o primeiro que o sal beija nos lábios
o primeiro que o corpo imprime e traça
nas colinas erguidas dos teus seios
quando era o tempo do tempo que passou
.
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____NOVELO_____________________
_________________________________
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Um dia há-de nascer um novo dia
um dia sem talvez
um dia em que te conte era uma vez
uma história de amor
um dia sem o ódio destes dias
sem lágrimas de fome
sem acenos de guerras
um dia só das nossas utopias...
x
Um dia em que ao chegarmos ao meio do dia
o sol já tenha dado ao mundo inteiro
a volta
o trigo e o celeiro
abastado para pão
tenha feito sorrir em cada alma
o perfume da flor
e não reste para dar
não mais que amor.
x
Um dia bem diferente
deste dia que temos pela frente
e no entanto
é possível fazê-lo
mão sobre mão novelo após novelo...
.
_____REGATA__________
~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~
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São velas desfraldadas
as regatas que vemos da janela
em filas uma a uma
saiem do porto ao vento
para ir a todo o lado
ou a parte nenhuma
barcos em movimento
risco branco de espuma...
x
Vem da lanterna a chama
a empurrar as águas
um segundo um momento
recordações e mágoas
que ora cantam e soam
minha história uma vez
nas docas de lisboa
um sonho em portugues..
x
São velas liberdades
saltitam são pardais
para formar um só
no seu regresso ao cais
janela da cidade
que a lonjura apregoa
e me fazem um nó
em cada erguer da proa.
.
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__________CHAT_____________
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cliquei na internet...
olá sou eu
sou eu um anjo
um anjo e sou do céu...!
stupida cosa
pensei italiano
e voltei a clicar
io che so paolo e che non parlo
o português corrente
mas o anjo voltou alegremente
sto ti guardando qui del paradiso
será ele ou sou eu
a quem falta o juizo ?
pôs-se a saltar no plasma
de fibras ópticas
e eu pasmado
che cosa posso fare
e cliquei
cantou bailou gritou
e eu olhei
para uma imensa corte
donde o rei
se fazia coroar de disparate...
ma veramente
eu já não era eu
eu era um chat...
.
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~~~~~~~~QUEDA~~~~~~~~~~~~~~
.
O tipo que me deixou cair por aí abaixo
bem o poderia ter feito
com uma protecção
mas não
foi saco de cimento
que se espalhou
pelo chão
x
O pó que levantou desapareceu
e com ele os sinais
do modelar do barro
os items iguais
da semelhança
que vai dum dedo ao outro
dum corpo ao outro corpo
do sol á lua
ou até só
ao fim da minha rua
x
O tipo que me deixou cair
num sábado de shotes
esqueceu na ressaca
toda a filosofia
numa pedrada de ordem
fez montes de papeis
e neles me queimou
no lixo que fazia
.
________CASINO________________
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Aconcheguei o sobretudo á gola
ou o contrário a gola ao sobretudo
estaria frio e muito só a noite
zero graus na parede das minhas mãos
cada dia que passa as mãos são menos
o frio aumenta esvazia-se á volta
desse sentido obrigatório azul
colocado pela câmara no largo do casino.
x
è por ali que passam diariamente
muitas das pulsações dum aglomerado
as palavras já ditas as não ditas
as escondidas no interior amargo
as que soltam gorgeios na garganta
aquelas que nem sequer existirão
e por ali guio devagar e sobre
as ruínas muradas do meu tempo.
x
também por ali a noite cai á noite
de toda a gente rigorosa e fria
fria como o deserto ou como a alma
até como um balão que se esvazia
e que não volta mais ao centro civico
vou só de sobretudo aconchegado e gola
por um inverno azul em que o sentido
de se pôr um sinal não tem sentido.
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~~~~~UCANHA~~~~~~~~
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Existe uma varanda á nossa frente
donde se vê o mar
os campos que lhe chegam
os rios que os sulcam
as neblinas brancas
nuvens a esvoaçar
x
nas sombras esconde-se a quietude
do espesso patamar
escutam-se os silêncios
o vento a marulhar
os ramos espessos altos
que à luz vão murmurar
x
solta-se o sol das nuvens
pisando pelo chão
pintando o musgo verde
num verde de ilusão
propagando-se em beijos
fluidos de paixão
x
um degrau um caminho
uma fonte em redor
um regato fugindo
um banco ou uma flor
o ligeiro gorjeio
na voz dum morador
x
um acerto em palavras
folgadas de calar
as pedras das portadas
manhã a gotejar
a névoa que se estende
juntando a terra ... ao mar
.
.
-------------VER-----------------
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Caminho da minha porta para o nada
entro na rua pela janela aberta
vou ao regato dos liquidambares amarelos
quando me sento no banco de madeira
passa o dia por mim e não o vejo bem
x
o lago estende-se um pouco mais á frente
com gansos e um par de patos reais
voando sobre a água e voltam
na sofrega ingestão das suas vidas
particulas de insectos e de luz
x
luz que se estende e cresce verdejante
barcos voltados nas veias da minuscula
e ilusória ilha do tesouro
sentado no meu banco de madeira
vejo passar-me o tempo na memória
x
um par de garças brancas explode
na margem escondida do inverno
fulgor adormecido o renovar
nas minhas mãos deserto
e no olhar um livro não aberto
x
quando vier a primaversa aflita
serôdia dumas chuvas
vai borbulhar nos ramos das encostas
com tanta pressa e tamanha avidez
que tudo voa e toma a sua vez.
.
__CORAÇÃO________
.
Um dia irás arder
meu coração de folha de eucalipto
desfeito por entre as urzes
consumido no fogo
que alastra pelo verão
em grandes labaredas
x
Um dia vais arder
meu coração de folha de papel
empurrado pelo vento
na explosão das árvores
num rastilho de pólvora
aceso pelo sol...
x
Um dia vais arder
meu coração de folha de papiro
mirrado e entupido
silenciosamente
nos canais que tu tens
é que eu respiro....
.
________CRIME_________
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Ouvem-se ao longe,longre,longe,longe
rajadas surdas de metralhadoras
que nos entram em casa
enquanto pinto árvores da serra do buçaco
em plena primavera
com vómitos de horror
x
os projecteis rasando pelas ruas
atravessando as praças inocentes
encharcam a cidade
o sangue corre, apalpa, tinge o asfalto
e rebentam as bombas entre dentes
e o chorar das mães habituadas.
x
balas que saiem entram rodopiam
ricochetes que perfuram ovários
de quem nunca nasceu
não foi homem mulher
ou outra coisa qualquer
em Bagadad
x
á noite é a escuridão que nos acorda
testemunhando o incomodo que é a morte
voando pelas pontas das rajadas
nos miseraveis dias
do parideiro inferno do mais forte
vendido em saco higienizado
via televisão....
.
.
_______ECO 2_____________
~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~
Quando passas na rua Rita Antónia
deixas ficar um traço de perfume
o resto dos teus olhos consumidos
no eco do granito dos teus passos
sei lá se se perdeu na estrada de lamego
no tojo duma pedra de aviar
ou no saltar do açude num riacho
o teu olhar...!
x
o relógio parou contra a parede
no fundo da viagem
e os ponteiros foram de ambulãncia
em estado muito grave
para um sitio qualquer...
x
na curta rua que nos levou
ao relicário
de s. joão de tarouca
há apenas ruinas de ti própria
e uma curva
que agora junta artéria após artéria
num arriscado by passe..
x
em redor é silencio enevoado
por onde gritam labios desconexos
e labaredas de fome
Rita Antónia
para além disso
não mais que o charro
conquistado a soldo lacrimal
tua prostituição
é o que é...
.
.
ESCREVER
se para lá dos segundos
e dos raios de luz
vertiginosos
existe coração
não é o meu
tudo isto é inseguro
não mais que imaginário
e também um olhar
centecimal
se existe
masturba-se
não é teu
nem é o meu
nem aquele
que eu uma vez tentei...
desafiei...
é muito menos esse
que se o soubesse
cantar num livro
ou em guitarra
em verso
em tempo
em espaço
para voltar um dia
e compreender
a razão e o ser
e o não ser...
pois sendo mesmo assim
nada seria.
.
.
____CARTA____________
.
Voltei atrás e tinha a intenção
de chegar ontem ao meu destino final
só a recordação me faz partir
no vazio interminavel
do nosso tempo onirico...
espero chegar ontem de manhã
pois é a partir de ontem
ou da semana passada
que posso reencontrar o que deixei
o que já não procuro
mas tudo deixei ficar para amanhã
á tua espera
não sei mesmo se é amanhã que partirei
se não chegar a sair da manhã de hoje
amanhã chegarei já antes de ontem
para partir definitivamente...
de qualquer modo
nada modificará
o rumo da viagem sem retorno
viajo na trajectória das sete
que a partir da curva de centauro
se precipita no abismo
escrevo-te uma carta se puder
tiver papel e uma esferográfica
uma carta de nada...
mas nunca a leias
se te chegar á mão
se o fizer é do futuro
por onde se apagou todo um passado
a que não terás tempo
de regresso.
.
.
____NÃO VIAGEM_______
_______________________
Não é este ano que vou a Cagliari
pois me parece mais que virtual
a história da viagem...
apanho o barco sei
são umas horas duas
e a praia abre-se como se fosse um corpo
e o sol convida como se fosse Io
satélite de Jupiter
e surgem deuses na imaginação
a dedilhar as citaras plangentes
de fenicios e gregos
até ulisses nos pode ressurgir
com três velas latinas e um leme
na volta dum rochedo...
mas ir a Cagliari
na esperança de te olhar este ano
ou apanhar cerejas maduras
com virgens de silicone...!
oh ! aventura turva
em mar paralisante
pelos teus quatro olhares
mais um em ponto grande
o mastro da mezena
ou um copo de vinho
fica contigo
não vou este ano a Cagliari
deixo para depois...